quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

GARTH RISK HALLBERG


Hoje na Sábado escrevo sobre Cidade em Chamas, do americano Garth Risk Hallberg (n. 1979), um estreante que conseguiu a proeza de publicar um romance de mais de mil páginas, recebendo dois milhões de dólares de “avanço” sobre direitos futuros. O livro foi lançado em todo o mundo no mês passado. Narrada na terceira pessoa, a história tem especial enfoque no curto período de seis meses que vai do fim do ano de 1976 até ao início do Verão de 1977, quando, na noite de 13 para 14 de Julho, Nova Iorque sofreu o maior apagão da sua história. Recuando até ao fim dos anos 1950, os flashbacks iluminam o contexto. O crime de Central Park é instrumental. A época em que o plot assenta é uma das mais vibrantes de Nova Iorque, quando os índices de criminalidade eram um flagelo e a “baixa” de Manhattan (sobretudo o SoHo e Greenwich Village), à boleia do diktat gay, se tornou o centro da contracultura. Anos de luz e sombra em que tudo podia acontecer e, de facto, aconteceu. Andy Warhol não teria sido possível sem essa osmose de extremos. O mérito de Hallberg é o de enquadrar tudo numa moldura clássica, com a sua escrita bem calibrada e a noção exacta do que é tradição literária, com envios, nem sempre explícitos, a ícones como Susan Sontag ou Patti Smith. Naquele tempo, Nova Iorque não era ainda a cidade bem comportada, limpa, fashionable, que se tornou nos últimos vinte anos. Era uma metrópole caótica onde a “norma” era transgredir. Truman Capote e o celebrado A Sangue Frio servem de contraponto aos comportamentos então dominantes: rock, ginásios, homossexualidade, estética punk, violência policial. De certo modo, Hallberg quis fazer a história de um sítio sob o prisma de alguém que chega de outro lado: «A Cidade reconfortava-o de uma maneira que Long Island não conseguia…», diz uma das personagens. Esse sítio onde cabiam todos, Hallberg só o descobriu no fim da adolescência. (O autor é oriundo da Carolina do Norte e radicou-se em Nova Iorque em 2006.) Porém, desde sempre soube que era um manancial para qualquer escritor. Mais tarde, o 11 de Setembro fez com que olhasse para a cidade de outra maneira. Cidade em Chamas antecipa o pesadelo, é outra coisa, é de quando ainda existiam as Torres Gémeas. Deve assinalar-se o cuidado gráfico da edição. O volume inclui gravuras em hors-texte, canções (Bowie, Reed, outros), interlúdios com lettering próprio e excertos de Walter Benjamin. A partir do livro, Scott Rudin vai fazer um filme. Cinco estrelas.